7 de Setembro. Há 199 anos o Brasil deixava de ser colônia de Portugal

Neste feriado nacional de 7 de setembro de 2021, o Brasil comemora mais um dia da Pátria, a data mais importante de sua história, quando o país se livrou de mais de 300 anos do domínio de Portugal. A foto acima é uma reprodução do quadro Independência ou Morte (1888), mais conhecido como O Grito do Ipiranga, uma pintura do artista brasileiro Pedro Américo.

A vinda da família real, em 1808, contribuiu muito em todos os aspectos para o desenvolvimento do Brasil, que deixou de ser uma mera colônia, para ter sua estrutura politica e econômica. A pressão feita pelos portugueses culminou no retorno a Lisboa de D. João VI, acompanhado de sua família e mais de quatro mil súditos, em 25 de abril de 1821, o que deixou a população brasileira sem saber qual seria seu futuro. Para garantir a continuidade administrativa e a presença real no Brasil, seu filho mais velho, D. Pedro, foi designado príncipe regente. 

Houve manifestações de descontentamento em vários pontos do país, inclusive em São Paulo, o que determinou a vinda de D. Pedro a capital e a Santos para acalmar os ânimos. A província paulista era governada por uma junta provisória, formada por conservadores e liberais, que se degladiavam, resultando na eclosão, em 23 de maio de 1822, de uma revolta que ficou conhecida por Bernarda de Francisco Ignácio. 

D. Pedro tentou contemporizar as correntes antagônicas: os conservadores ligados ao presidente da junta, o nobre e militar português João Carlos Oeynhausen Grevembourg (futuro Marques de Aracati) e os liberais, que contavam com Martim Francisco Ribeiro de Andrada (irmão de José Bonifácio), então secretário do Interior e Fazenda. A convocação de Grevembourg ao Rio, pelo príncipe, resultou em um verdadeiro motim. Francisco Ignácio de Souza Queiroz, membro da junta, instigou a população a impedir a partida de Grevembourg, pois um liberal, seu substituto, assumiria o governo de São Paulo. 

O impasse criado obrigou D. Pedro a destituir o governo da Província determinando o envio de tropas de Santos a capital, “para dar pronto remédio a tais desordens e atentados que diariamente vão crescendo”. A população paulistana revoltada hostilizou os soldados, e o comandante marechal Cândido Xavier de Almeida e Sousa resolveu recuar e aguardar os acontecimentos. A desistência do marechal José Arouche de Toledo Rendon em assumir a presidência da junta, e a nomeação do próprio Xavier de Almeida para o cargo, além do retorno das tropas a Santos, acalmou os ânimos. 

Com destino a São Paulo

Um outro fato grave ocorreu em Santos, quando 12 soldados se colocaram à frente de seu batalhão, para pleitear a equiparação de soldos com os praças portugueses. Eles foram condenados à morte por enforcamento, causando grande comoção na população.  

Em São Paulo, D. Pedro decretou, em 13 de agosto de 1822, que em sua ausência a princesa Leopoldina presidiria ao despacho de expediente e às sessões do Conselho de Estado. Foi a primeira vez que uma mulher assumiu o governo do Brasil. No dia seguinte, partiu do Palácio da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, com destino a capital paulista. A cavalo percorreu a distância de 634 km, em 12 dias, pernoitando em várias cidades: Rio Claro-RJ, Bananal, Areias, Cachoeira, Lorena, Guaratinguetá (passando pela Igreja de Aparecida), Pindamonhangaba, Taubaté, São José dos Campos, Jacareí e Mogi das Cruzes. Finalmente, em 24 de agosto, chegou a Penha de França, onde participou de missa na capela de Nossa Senhora da Penha. Na manhã seguinte, em São Paulo, assistiu na Sé, com sua comitiva, a solene Te Deum, quando recebeu o beija-mão de autoridades e do povo. Permaneceu alguns dias na capital, período em que conheceu D. Domitila de Castro e Mello (futura Marquesa de Santos).  

No dia 5 de setembro, foi a Santos inspecionar as fortalezas e visitar a família de José Bonifácio, seu ministro de Estado. De regresso a São Paulo, no sábado, 7 de setembro de 1822, por volta das 16 horas, D. Pedro e comitiva encontravam-se no alto de colina próxima ao riacho do Ipiranga, quando dois cavaleiros em rápida carreira foram a seu encontro. Eram o major Antônio Ramos Cordeiro e Paulo Bregaro (hoje Patrono dos Carteiros), correio-real da Corte, que traziam diversas correspondências: cartas de sua esposa Leopoldina; de José Bonifácio; de Lisboa, uma de seu pai D. João VI e outra com instrução das Cortes, exigindo o regresso imediato do príncipe e a prisão de José Bonifácio; e uma de Chamberlain (amigo de confiança do príncipe D. Pedro).  

Segundo testemunhos do integrante da comitiva, padre Belchior Pinheiro, D. Pedro, tremendo de raiva, arrancou de suas mãos os papéis e, amarrotando-os, pisou-os e deixou-os na relva (então não estava sobre o cavalo). O padre os apanhou e guardou. Depois, D. Pedro virou-se e disse: “E agora, padre Belchior?” ao que o padre respondeu prontamente: “Se V. Alteza não se faz rei do Brasil, será prisioneiro das Cortes e, talvez, deserdado por elas. Não há outro caminho senão a independência e a separação”. D. Pedro caminhou alguns passos, silenciosamente, acompanhado pelo padre, Cordeiro, Bregaro, Carlota e outros, em direção aos animais que se achavam à beira do caminho. De repente, estacou já no meio da estrada, dizendo “Padre Belchior, eles o querem, eles terão a sua conta. As Cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de rapazinho e de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações. Nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil, para sempre, separado de Portugal”.  

Responderam imediatamente, com entusiasmo, Viva a Liberdade! Viva o Brasil separado! Viva D. Pedro! O príncipe virou-se para seu ajudante de ordens e falou “diga à minha guarda que eu acabo de fazer a independência do Brasil. Estamos separados de Portugal”. O tenente Canto e Melo cavalgou em direção a uma venda, onde se achavam quase todos os dragões da guarda. 

Chegando ao Ipiranga, sem que ninguém aparecesse, o capitão-mor Manuel Marcondes de Oliveira e Mello (depois Barão de Pindamonhangaba) fez parar a guarda junto a uma casinhola (hoje conhecida como Casa do Grito), que ficava à beira da estrada, à margem do riacho. Para prevenir qualquer surpresa, mandou o guarda Manuel de Godoi, um dos mais moços, colocar-se de atalaia em lugar onde pudesse descobrir a aproximação do príncipe. Tomando esta providência, apearam para descansar. Poucos minutos depois da retirada dos viajantes Bregaro e Cordeiro, o guarda, que estava de vigia, veio apressadamente em direção ao ponto de parada. A guarda começou a se formar para receber D. Pedro, mas ele vinha tão apressado que chegou antes que alguns soldados alcançassem as selas. Diante da guarda, em semicírculo, estacou o seu animal, desembainhou a espada e bradou: “Amigos! Estão, para sempre, quebrados os laços que nos ligavam ao governo português! E quanto aos topes daquela nação, convido-os a fazer assim.” E arrancou do chapéu a fita azul e branca, jogando-a no chão. A guarda seguiu o gesto, tirando dos braços o mesmo distintivo.  

“E viva o Brasil livre e independente!” gritou D. Pedro. A guarda respondeu: “Viva o Brasil livre e independente! Viva D. Pedro, seu defensor perpétuo!” E bradou ainda o príncipe: “Será nossa divisa de ora em diante – Independência ou Morte!”  

D. Pedro e comitiva de 36 pessoas seguiram para a cidade. À noite, D. Pedro compareceu ao teatro da Ópera, ostentando no braço o dístico de ouro “Independência ou Morte”, feito às pressas pelo ourives Lessa e preso por um laço verde e amarelo. Delirantemente aclamado, executou ao piano sua composição, o Hino da Independência. O jovem poeta Tomás de Aquino e Castro recitou um soneto de sua autoria, “Será logo o Brasil mais que foi Roma…Sendo Pedro seu primeiro Imperador”.  

Em dado momento, o padre Ildefonso Xavier Ferreira foi em frente ao camarote de D. Pedro e gritou: “Viva o primeiro rei brasileiro!” Em seguida, foi apresentada a peça O Convidado de Pedra.  

Proclamação
No dia seguinte ao brado da Independência, D. Pedro proclamou: 

“Honrados Paulistanos: O amor que eu consagro ao Brasil em geral, e a vossa Província em particular, por ser aquela que perante mim e o mundo inteiro fez conhecer primeiro que todos o sistema maquiavélico, desorganizador e faccioso das Cortes de Lisboa, me obrigou a ir entre vós fazer consolidar a fraternal união e tranquilidade, que vacilava, e era ameaçada por desorganizadores, que em breve conhecereis, fechada que seja a devassa, a que mandei proceder. Quando eu mais que contente estava junto de vós, chegam noticias que de Lisboa os traidores da Nação, os infames Deputados pretendem fazer atacar ao Brasil, e tirar-lhe do seu seio seu Defensor. Cumpre-me como tal tomar todas as medidas que minha imaginação me sugerir; e para que estas sejam tomadas com aquela madureza, que em tais crises se requer, sou obrigado, para servir ao meu ídolo, o Brasil, a separar-me de vós (o que muito sinto), indo para o Rio ouvir meus Conselheiros, e providenciar sobre negócios de tão alta monta. Eu vos asseguro que cousa nenhuma me poderá ser mais sensível, do que o golpe que minha alma sofre, separando-me de meu amigos Paulistanos, a quem o Brasil, e eu devemos os bens, que gozamos, e esperamos gozar de uma Constituição liberal e judiciosa. Agora, Paulistanos, só vos resta conservardes união entre vós, não só por ser esse o dever de todos os bons Brasileiros, mas também por que a nossa Pátria está ameaçada de sofrer uma guerra, que não só nos há de ser feita pela Tropas, que de Portugal forem mandadas, mas igualmente pelos seus servis partidistas, e vis emissários, que entre nós existem atraiçoando-nos. Quando as autoridades, vos não administrarem aquela Justiça imparcial, que delas deve ser inseparável, representai-me que eu providenciarei. A divisa do Brasil deve ser – INDEPENDÊNCIA OU MORTE – Sabei que, quando trato da Causa Pública, não tenho amigos e validos em ocasião alguma.  

Existi tranquilos: acautelai-vos dos facciosos sectários das Cortes de Lisboa; e contai em toda a ocasião com o vosso Defensor Perpétuo. Paço em oito de setembro de mil oitocentos e vinte dois.”  

D. Pedro nomeou, em 9 de setembro, a nova junta governativa da Província de São Paulo, composta pelo bispo diocesano D. Mateus de Abreu Pereira, ouvidor da Comarca Dr. José Corrêa Pacheco e Silva e o marechal Cândido Xavier de Almeida e Sousa. E, às 5 horas do dia 10 de setembro de 1822, deixou a capital, partindo para o Rio de Janeiro, onde chegaria em tempo recorde de cinco dias, apesar das chuvas e temporais.  

Ele seria aclamado o primeiro imperador brasileiro, no dia do seu aniversário, 12 de outubro, e solenemente coroado e consagrado como Defensor Perpétuo do Brasil, na então Catedral do Rio de Janeiro, em 1º de dezembro de 1822. 

Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. É funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Publicação original do site da Alesp.
 

7 de setembro 2021